19 de abril de 2024

PS - casa desgraçada, casa gozada

O PS1 e o PS2 finalmente juntaram-se. Para quê, perguntará o caro leitor? Para a diversão, para irem passear em Bruxelas.



A diversão é sempre uma boa ocupação, quando se pode fazê-la. Mas quando se faz a expensas de outros exige-se alguma parcimónia e algum decoro. Coisas que camaradas com aspirações burguesas ignoram e dispensam; porque o que verdadeiramente lhes interessa é aproveitar as mordomias concedidas pelo regime. A coisa tolerava-se, até por caído em rotina, se não tivessem o desplante parodiar o Zé e a Maria – os pagantes da coisa. Mas o que é se pode fazer, há muito que o juízo abandonou aquela casa.

Quando era alvo de interpelações chochas, D. Diogo costumava dizer, com desagrado e até algum desgosto, que a oposição não trabalhava, não pensava, era preguiçosa. Mal nem ele sabia (ou sabia!) que o pior estava a caminho: actualmente ninguém trabalha, e ninguém pensa, tanto na oposição como no poder (apesar de este ser pago para tal).

Os desvarios conduzem sempre à desgraça. Esta espécie de oposição já é uma desgraça. Mas terá vida curta. Falta pouco para o Zé e a Maria dizerem chega. É a vida!

Há vidas piores. Pois há…! 

Canções de Abril #19

 


“O que Faz Falta” é uma canção do álbum Coro dos Tribunais, com temas compostos antes do 25 Abril mas gravado no final de 1974, em Londres, já sem o aval da censura prévia. Todo o álbum corresponde a uma forte linha de intervenção e de desencanto em relação às falsas ilusões geradas pela designada primavera marcelista.

O Zeca gostava muito desta canção (mais do que do Grândola, que pelas razões conhecidas e desconhecidas se tornou celebre), talvez pela forte mensagem de mobilização popular que ela encerra. Interpretou-a pela primeira vez, antes da revolução do 25 de Abril, para um grupo de trabalhadores que se encontravam em protesto contra o lock-out promovido pelo patrão de uma fábrica. E, segundo José Jorge Letria, teria gostado de fechar o I Encontro da Canção Portuguesa, organizado pela Casa da Imprensa, a 29 de Março de 74, no Coliseu dos Recreios, onde esteve toda a geração de músicos de intervenção, com “O Que Faz Falta” ou “Venham mais Cinco” se a censura não as tivesse retalhado e cortado aos pedaços. Acabou por escolher o “Grândola Vila Morena”, que foi cantada em coro por todos os músicos e pelo público.   

Naquela época como agora,

“O que faz falta é avisar a malta

O que faz falta

O que faz falta é dar poder a malta

O que faz falta”.

18 de abril de 2024

Canções de Abril #18

Em 1971 foram publicados cinco dos mais importantes álbuns da música portuguesa: “Cantigas do Maio”, de José Afonso, “Os Sobreviventes”, de Sérgio Godinho, “Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades,” de José Mário Branco, gravados em França, e “Gente de Aqui e de Agora”, de Adriano Correia de Oliveira e “Movimento Perpétuo”, de Carlos Paredes, gravados em Portugal. Uma verdadeira revolução no panorama musical português. Para além disso, 1971 foi também o ano do primeiro Festival de Jazz de Cascais e do Festival de Vilar de Mouros. O ambiente era propício ao florescimento de ideias de mudança.

Por estratégia comercial da editora Sassetti, o álbum de Sérgio Godinho foi apenas lançado em 1972, evitando competir com trabalho de José Mário Branco (da mesma editora). O sucesso de “Os Sobreviventes” foi imediato, recebendo o Prémio da Imprensa, em 1972, e o Prémio Bordalo, entregue pela Casa da Imprensa, em 1973. “Que força é essa?”, a canção de abertura, é um apelo à consciencialização e à revolta dos trabalhadores injustiçados. Inspirado na situação dos emigrantes portugueses em França, Sérgio Godinho dirigia sua mensagem aos que viviam em Portugal sob o domínio da ditadura, enfrentando condições de trabalho mais adversas e com menos direitos laborais. O disco foi proibido pela Censura três dias após o lançamento.

Mais de cinquenta anos depois, esta música permanece como o hino dos que se recusam a aceitar as injustiças e se insurgem contra a submissão à ordem de obedecer e calar. A prova está nesta versão dos Clã, Filipe Sambado e Cláudia Pascoal, apresentada no Festival da Canção de 2021.

17 de abril de 2024

Canções de Abril #17

 


Pedra Filosofal, porventura por ser a mais ternurenta das canções de intervenção, tornou-se rapidamente uma espécie de hino de resistência contra a ditadura. Manuel Freire aproveitou a musicalidade do poema com o mesmo nome, de António Gedeão, publicado no livro Movimento Perpétuo, em 1956, para criar, em 1970, uma canção que entrou definitivamente na memória auditiva das pessoas e o catapultou para a fama depois da sua participação no popular programa de variedades Zip-Zip. 

O poema de António Gedeão é uma ode ao sonho como força de transformação pessoal e da realidade. A repetição dos versos 

“Eles não sabem nem sonham 
Que o sonho comanda a vida.”

reforça a ideia de que muitos não reconhecem o poder dos sonhos. No entanto, a música celebra aqueles que compreendem 

“que sempre que o homem sonha
o mundo pula e avança, 
como bola colorida 
entre as mãos de uma criança”.

Os ditadores não gostam de sonhos, mas para desgosto seu não os conseguem proibir. Manuel Freire, com a sua voz profunda e timbrada, acompanhado pela melódica sonoridade da viola, deu corpo e força ao sonho de mudança - coloco-o na mente das pessoas. 

16 de abril de 2024

Canções de Abril #16


 

“Trova do Vento que Passa”, de 1963, é uma “balada”, mais no género “trova”, de António de Portugal com poema de Manuel Alegre, celebrizada na voz de Adriano Correia de Oliveira. 

A canção rompe com o romantismo e o lirismo associado ao fado de Coimbra ao privilegiar o conteúdo poético em detrimento da instrumentação e ao versar a luta contra a ditadura e contra a guerra. Tornou-se rapidamente a primeira canção de clara contestação ao regime e uma espécie de hino da resistência estudantil, nomeadamente em Coimbra. Foi pela primeira vez apresentada ao público na festa de recepção aos primeiro-anistas da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, realizada no Hospital de Santa Maria. Nesse concerto, Adriano Correia de Oliveira é acompanhado por Rui Pato, José Afonso e António Portugal, cantando o tema que segundo Manuel Reis, autor do livro “Adriano Presente”, teve de ser repetido seis vezes, após o qual os estudantes saíram para a rua a cantar em coro.

O poema reflecte a condição de isolamento e resignação de quem era obrigado a emigrar, terminando com uma nota de indignação face a essa condição. A quadra final 

“Mesmo na noite mais triste 

em tempo de servidão 

há sempre alguém que resiste 

há sempre alguém que diz não”

tornou-se a mais evocativa. Manuel Alegre afirmou que se inspirou num episódio revoltante quando viu Adriano Correia de Oliveira a ser perseguido por agentes da PIDE.

Numa entrevista concedida em 1980, Adriano Correia de Oliveira afirmou que “Foi a partir do acolhimento de uma canção como a “Trova do Vento que Passa” que comecei a sentir o verdadeiro gosto por cantar, por fazer música e, sobretudo, por sentir que estava ao lado do justo, do lado antifascista”.

Uma canção imperdível para reviver e comemorar Abril.


15 de abril de 2024

Comemorar Abril - o corriqueiro não engrandece

O dotor Pimpão - a “junta” - decidiu atribuir a medalha de honra do município ao capitão Salgueiro Maia, a título póstumo. 

Quando se comemora os 50 Anos da Revolução de Abril de 74 - iniciada com o Golpe do MFA - todas as homenagens aos “capitães” de Abril são justificáveis e merecidas. Mas existindo tanto capitão de Abril ainda vivo, a merecer um gesto de gratidão, porquê a repetida insistência na homenagem ao Salgueiro Maia? 



Convém recordar, para que tudo não seja ainda mais desvirtuado, que o Golpe Militar de Abril de 74 não foi um golpe conduzido por um militar aureolado, como foi, por exemplo, o Golpe de Maio de 1926, protagonizado pelo general Gomes da Costa; foi um golpe planeado e conduzido por um vasto conjunto de oficiais intermédios (capitães, majores e tenentes-coronéis), com liderança partilhada (Operacional; Estratégico-política e Comunicação), onde uns tiveram papel liderante e/ou relevante, e outros papel operacional e/ou secundário.

Cumprir Abril 74, nomeadamente quando se comemora oficialmente a data, deveria compelir os decisores políticos a respeitarem o espírito do momento e o papel dos diferentes protagonistas, não engalanando uns ignorando outros. Reparando, por exemplo, a profunda ingratidão do país com Melo Antunes. Mais isso talvez seja pedir muito… 

É verdade que para muitos Salgueiro Maia é herói do golpe - o herói romântico. O que se compreende: foi o elemento mais mediatizado e foi protagonista de um momento crítico que o fez passar de mártir a “herói” num ápice - por acções e razões que pouco dependeram dele. Mas não foi o herói nem elemento decisivo do golpe, nem poderia sê-lo… Por circunstâncias várias, Pombal adoptou-o como o seu herói de Abril (assinalando uma ligação à terra que não existiu) para tornar corriqueiro homenageá-lo. Mas o corriqueiro não engrandece os distintos, só dá protagonismo ao culto do inerte.

Canções de Abril #15

 

No dia 6 de Maio de 1975, um ano depois da revolução, uma mulher fez parar o trânsito no cruzamento da avenida Miguel Bombarda com a 5 de Outubro. Chamava-se Teresa Torga, tinha 41 anos, fora corista e atriz do teatro de revista. Mas os ventos de liberdade e criação que sopravam no país não a arrastaram para o sucesso. Atirada para uma depressão, saiu para a rua despida.

 

“No centro a da Avenida

no cruzamento da rua

Às quatro em ponto perdida

Dançava uma mulher nua”

 

Por ali passava o repórter fotográfico António Capela, que registou todo o episódio: "Que aproveitando a barbuda/ Só pensa em fotografá-a/ Mulher na democracia não é biombo de sala".

O caso foi notícia nos diários da capital. E Zeca Afonso imortalizou-o, contando ao detalhe toda a história de Teresa Torga, num registo ímpar de humanidade. Há uma versão imperdível de Lúcia Moniz e Diogo Leite, em 2017, numa homenagem da Sociedade Portuguesa de Autores a Zeca Afonso. E nestes 50 anos do 25 de Abril, Mariza LiZ e Júlio Pereira oferecem-nos uma nova interpretação. 

14 de abril de 2024

Canções de Abril #14

 

 José Barata Moura ficou mais conhecido pela sua produção discográfica infantil do que como cantor de intervenção. O maior sucesso deste cantautor (que também é filósofo e professor catedrático) foi mesmo o "Fungagá da Bicharada", embora do seu trabalho se tenha destacado, logo em 1970, a canção "Olha a Bola, Manel".

Mas houve muitas outras músicas na obra de José Barata Moura, e sobretudo canções de intervenção e de combate ao regime. Exilado em França, Barata Moura gravou inicialmente em francês, também em 1970, o EP "Bidonville". Ainda antes do 25 de Abril grava em português.

O álbum "Caridadezinha" foi editado em 1973, com 12 canções. "Vamos Brincar à Caridadezinha" revelava-se uma crítica mordaz aos que praticavam, à época, a caridadezinha, num país profundamente desigual. 

13 de abril de 2024

Farpa Oferecida – Poema ao 25 de Abril de 1974


            De Rodrigues Marques - comentador proscrito, mas seguidor e leitor assíduo. 

            Cumprir Abril

Canções de Abril #13

“Queixa das Almas Jovens Censuraras” é uma das canções do álbum “Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades”, de José Mário Branco, gravado em Paris em 1971, e conta com um belíssimo poema de Natália Correia.  O título sugere um lamento dos jovens a quem impedem de ser livres. O poema é altamente metafórico e denuncia um regime que perpetua uma educação castradora e sufocante. 

Este magnífico álbum foi o responsável por revelar José Mário Branco, na época um ilustre desconhecido no país. Já a autora da letra era uma figura de grande destaque na cultura portuguesa. Açoriana, poeta, antifascista, Natália Correia afrontou Salazar ao honrar a tradição erótica e satírica portuguesa. A sua “Antologia da Poesia Portuguesa Erótica e Satírica”, de 1966, foi censurada pelo fascismo e valeu à autora uma condenação por "consciente e pública ofensa do pudor, da decência e da moralidade pública". Natália é a responsável pela publicação da obra “Novas Cartas Portuguesas”, de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa (as “três Marias”), em 1972. O livro é proibido pelo regime três dias após o lançamento, que o considerou “pornográfico e contrário à moral e aos bons costumes”. O adultério, a violação, o aborto e a subordinação da mulher, eram temas proibidos pelo Estado Novo, que via as mulheres como cidadãos de segunda, não lhes concedendo o direito de votar ou a possibilidade de sair do país, abrir conta bancária ou tomar contraceptivos sem a autorização do marido. Um livro urgente nos dias de hoje, onde muitos parecem ter saudades de um tempo em que a "família tradicional" era sinónimo de discriminação da mulher.

12 de abril de 2024

Canções de Abril #12

 


Em 1970 o jovem Hugo Maia Loureiro destacou-se no VII Grande Prémio TV da Canção Portuguesa. Nesse ano a RTP decidiu não participar no Festival da  Eurovisão, ainda mal refeita das expetativas goradas do ano anterior, com a Desfolhada de Simone de Oliveira.

“Canção de Madrugar” ficou classificada em segundo lugar, num concurso em que se sagrou vencedor Sérgio Borges, com o tema “Onde Vais Rio que eu canto”. Mas ficou no ouvido de todos o tema cantado por Hugo Maia Loureiro, um poema de Ary dos Santos, com música de Nuno Nazareth Fernandes.

Esta canção é uma obra poética, dividida em duas partes quase antagónicas. Na primeira, a alusão ao linho e aos nardos sugerem a preparar para algo sagrado. A segunda parte é marcada por uma entrega dolorosa, numa cadência de elementos negativos: nem 'choros', nem 'medos', nem 'uivos', nem 'gritos', ‘nem farpas nem farsas’…

A “canção de madrugar” termina sem a realização desse amor, mas com a persistência do desejo. O que à época foi um arrojo, e um desafio à censura. Ao longo dos anos muitas foram as versões que conheceu: Carlos do Carmo, Sérgio Borges, Conjunto Académico João Paulo, e mais recentemente Susana Félix, no projeto “Rua da Saudade”.

Foi banda sonora da série “E depois do Adeus”, da RTP, dedicada ao drama dos “retornados”.

Hugo Maia Loureiro morreu em fevereiro deste ano, afastado dos palcos. Canção de madrugar foi o seu maior sucesso.